Os cinco exércitos cercam-nos neste monte alentejano. Estamos em Ourique, embrenhados em território inimigo. O sol de Verão está perto do horizonte. Não iremos combater hoje. Todavia, amanhã a batalha será inevitável. Olho para os meus capitães vejo que eles esperam que lhes diga o que fazer. Sempre foi assim, desde que o meu pai morreu que todos esperam milagres de mim, o príncipe do condado Portucalense. É preciso traçar um plano para a batalha. Não me ocorre nada. — Como podemos enfrentá-los? —pergunto, olhando para o esquema do terreno. O silêncio abate-se sobre os homens mais valorosos de Portucale. […]
O Poeta – Parte 2 de 2
Podem ler a primeira parte aqui. Os olhares não duraram mais do que um doloroso par de segundos. Já os jovens haviam perdido o interesse nele há alguns momentos e o coração ainda batia descompassado. Vagueou ao acaso, tentando absorver o máximo desta realidade. As novas bandeiras faziam-lhe confusão. Ardia em curiosidade para saber o que acontecera, mas tinha receio de, ao perguntar, ser tomado como estrangeiro. Para além disso, não conversara com ninguém durante mais de uma década. Recordou-se da última vez em que trocara impressões com o filho. Fora algures no início da década de vinte. Como era […]
Os Cadáveres
Sou um homem morto. Respiro, o meu coração bate e ainda raciocino. Apesar disso, sou um homem morto. Aperto a arma que trago dentro do casaco e dou uns passos em frente. Os ouvidos zumbem. Não vale a pena sequer buscar o carro. Não iria funcionar. Sinto uma dor aguda no ombro, acho que o desloquei. É a menor das minhas preocupações. Aliás, um homem morto não tem preocupações. Passo a mão pela testa e vejo-a coberta de sangue. Só há uma coisa que gostaria de fazer. Mais que gostar, que tenho de fazer. Alguém me agarra o braço e […]
O Poeta – Parte 1 de 2
Manuel desenhou as letras na folha. Quatro de Março do ano da graça de 2032. Fixou o papel e as palavras não lhe vieram. Pousou a caneta e levantou-se da cadeira, abandonando a folha meio escrita, fruto das tentativas do dia anterior. De súbito, ao voltear com a sua bengala no reduzido quarto nas águas furtadas, o refúgio das duas últimas décadas pareceu-lhe uma prisão. Mirou a porta por onde o filho lhe trazia três refeições por dia, uma resma de papel e duas canetas por semana. O olhar desviou-se para a janela, por onde observara as revoluções e batalhas […]
Um Céu Nublado
A visão da suástica preta na enorme bandeira vermelha fez Marta estremecer. O coração da jovem falhou uma batida. Piscou os olhos. Nada. Não havia nenhuma bandeira. Do outro lado do largo existia apenas um enorme edifício de tijolo vermelho. Confusa, afastou-se da janela, virando-se para o quarto pintado de branco com soalho de madeira. Aproximou-se da mala, aberta no meio da divisão. – Só pode ser cansaço – murmurou, agarrando nuns jeans. Aterrara naquela manhã de Setembro em Hamburgo, ao abrigo do programa Erasmus. Licenciatura em História e perspectivas de emprego nulas. Não era de admirar que os […]
O Cupão
Uma troca involuntária de olhares com o desconhecido foi suficiente. Daniel interrompeu o vaivém pelo passeio, que o mantivera ocupado durante a manhã, e enveredou por uma ruela. O homem seguiu-o. ― Tem cupões? ― interpelou-o o desconhecido. Daniel virou-se e observou o homem. Não teria mais de quarenta anos, usava um fato escuro gasto e uns óculos redondos de vidro esverdeado. ― Tenho o meu! Mas que raio de pergunta é essa? ― devolveu, contendo-se para não soltar um gesto obsceno. O homem sorriu e Daniel fez o mesmo. Deixou as mãos nos bolsos da gabardina castanha-clara e […]